quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

CUCA - Centro universitário de cultura e arte

O cineasta Roberto Duarte, autor do texto abaixo e meu parceiro no Cuca, conta um pouco o drama da época em que ficamos amigos.

O Cuca foi um movimento de caráter universitário, nascido no início dos anos 70, em Salvador, sobretudo no âmbito da Universidade Federal da Bahia.

Os primeiros anos setenta eram extremamente duros, tanto para a prática política como para a reflexão sobre o que se apresentava então como futuro. Vigia um decreto da ditadura militar, chamado 477, que suspendia qualquer garantia para os estudantes que praticassem atos considerados hostis ou mesmo ideologicamente contrários ao regime vigente – subversivos. Quem caísse no índex oficial de então era jubilado, sofria uma espécie de cassação dos direitos acadêmicos.

Por outro lado, os diretórios e órgãos de representação estudantis foram todos dissolvidos pelo poder militar, e quando não desapareceram, passaram a atuar na clandestinidade. A única organização política possível estava fora do mundo legal, nos partidos comunistas e organizações que pregavam a luta armada contra o regime.

No campo da vida civil, a imprensa sofria severa censura prévia e as artes estavam amordaçadas pelas restrições ideológicas. O governo militar investia tudo no desenvolvimento de um sistema de comunicação que cobrisse o país de ponta a ponta e anunciavam-se os primeiros sintomas da prevalência da lógica da indústria cultural, que teria seus caminhos abertos pela televisão transmitida via satélite.

Foi mais ou menos nesse cenário que ingressei na Universidade pela primeira vez, em 71. Eu era um ex-participante do movimento estudantil secundarista de Salvador, sem qualquer filiação partidária, que procurava se guiar por reflexão própria, alimentada pelas leituras e discussões comuns daquela época. Particularmente vivia um grande dilema em relação ao que fazer. Não acreditava que a luta armada pudesse vir a suceder bem, diante da onipresença das forças armadas, do domínio absoluto dos meios de comunicação e, sobretudo, da percepção de que seria necessário um gigantesco movimento de conscientização e de propaganda da idéia de revolução para que pudéssemos ter um movimento de massas nas ruas. O conteúdo que me faltava em cultura revolucionária talvez me tenha feito perceber com um pouco mais de lucidez o que realmente acontecia ao redor, não embarcando numa empreitada suicida. Além de ter medo de morrer, tinha a percepção de que nossos amigos morriam, senão em vão, por um preço muito alto. A falta de vocação heróica também era outro fator importante para mim.

Paralelamente à participação no movimento estudantil secundarista, eu começava a atuar em Teatro, que parecia ser um instrumento muito eficaz na reflexão e propagação das idéias que pensávamos ser revolucionárias. Cabia aos artistas o papel de criar uma sensibilidade revolucionária, uma percepção do mundo afeita à mudança. Era por aí que eu apostava minha vida, na época.

Depois da aprovação no vestibular, veio uma interminável série de vacinas, que nos obrigaram a uma semana inteira de permanência, às tardes, em filas, à porta dos ambulatórios montados especialmente para vacinar a calourada. Nessas filas, encontro Claudio Barretto, que vinha de uma militância muito mais profunda e comprometida que a minha, no Partido Comunista, que em 70 lhe rendeu quase um ano de cadeia. Ele saiu da cadeia e prestou exame vestibular em seguida. Saiu da cadeia e entrou na universidade.

Já nos conhecíamos do teatro Vila Velha. O reencontro nas filas permitiu que expuséssemos nossas preocupações com a continuação do movimento, superando antigas restrições mútuas de caráter meio pessoal e meio ideológico, nunca vou saber. Claudio trazia a notícia de um movimento de arte no Rio de Janeiro, onde o músico Ivan Lins despontava como liderança.

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